Recentemente foi compartilhada por milhares de pessoas nas redes
sociais a informação de que o cantor
Pabllo Vitar seria beneficiado pela Lei Rouanet em cerca de R$ 5 milhões de
reais para uma produção musical. A notícia trazia o fato paralelo de que o
Hospital de Câncer teria sido fechado por ausência de verba, fato este que
trouxe imediata indignação coletiva de muitas pessoas que, antes da informação,
possuíam algum tipo de preconceito com o cantor e com a representatividade LGBT
no meio cultural.
Surpresa! A
informação era falsa e compõe um dos diversos casos de notícias incorretas
espalhadas virtualmente ao longo de 2017.
“Governo de Goiás
está distribuindo bonecas com órgão sexual trocado” “Maria do Rosário e Jean Wyllys se uniram para defender
pedófilos”. Estes e tantos outros exemplos vêm ocorrendo
assiduamente nas redes sociais brasileiras. O fenômeno, porém, é mundial. Desde
as eleições americanas em 2016, o termo “Pós-verdade” vem
sendo citado em estudos, artigos, debates intelectuais e até entrou para o
dicionário Oxford.
Tal fato se deu,
principalmente, após o uso massivo de informações falsas e difamatórias
utilizadas no Brexit britânico e na campanha eleitoral dos Estados Unidos de
2016 que culminou com a vitória do inescrupuloso Donald Trump. Todavia faz-se
necessário aprofundarmos nas raízes desse fenômeno coletivo de ampla
disseminação de informações espúrias e que possui indubitável uso político.
O termo pós-verdade foi
utilizado pela primeira vez em meados dos anos 1990 pelo dramaturgo
sérvio-americano Steve Tesich e referia-se a supressão da verdade dos fatos.
Segundo o dicionário Oxford o termo se relaciona com as circunstâncias onde
fatos objetivos possuem menor importância e influência em moldar a opinião
pública do que os apelos emocionais e crenças morais na maneira com que se
transmitem as informações. Há, evidentemente, uma apatia em relação à verdade.
As
notícias falsas e a desinformação são espalhadas virtualmente em um ritmo e
nível global assustador e correlacionam-se a um dos efeitos da globalização.
A evolução da
globalização caminhou junto com a evolução tecnológica e, desde os anos 1990,
do crescimento da influência da Internet. Nesse contexto o surgimento das redes
deu lugar a um espaço virtual de interação e propagação de informações. Alguns
autores, esquadrinham o ciberespaço em análises sociológicas e filosóficas veem
a mudança da esfera pública pela influência das redes sociais como
positiva uma vez que fornece aos cidadãos maior capacidade de expressão,
aquisição de informações e associação, isso colaboraria para aumentar a capacidade
cívica do povo de pressionar governos e obtendo assim maior transparência e
diálogo democrático.
Grandes nomes como o
filósofo alemão Jürgen Habermas observam nas redes sociais da Internet um
perfil potencializador de participação política mais efetiva que combina
colaboração, interação, mediação, acessibilidade a informações e mobilização.
Outros como Luhmann, discordam. Para Luhmann, em sua teoria da comunicação, há
a ideia de que os meios de comunicação modernos não contribuem para melhoria da
participação política ou interação e sim colaboram para a produção contínua do
que chamou de “irritações”.
Nesse sentido o avanço
das redes sociais teria representado uma certa ruptura paradigmática entre a
emissão e a recepção das mensagens. O emissor, a origem e validade da
informação perderam importância dando lugar ao teor emocional e moral. Fato
este verificado diuturnamente na divulgação de notícias difamatórias e
espúrias feitos no Brasil por grupos como MBL, alguns youtubers e think
tanks de extrema-direita e que trabalham em regime de cooperação para
desqualificação das esquerdas no geral.
Esse fundamentalismo
comunicacional nas redes sociais criou uma espécie de histeria coletiva, quando
o falso exercício de direitos fundamentais como liberdade de expressão, liberdade
de imprensa e o direito de livre associação dão lugar à proliferação dos
discursos de ódio, segregacionismo, racismo, machismo, misoginia,
anti-sindicalismo, anti-socialismo. Os indivíduos que compartilham as
informações sem verificar a originalidade do conteúdo, contribuem para ganho de
força eleitoral dos grupos políticos que fazem oposição a qualquer grupo ou
político progressista.
O
compartilhamento desenfreado de notícias falsas acarreta na estruturação de um
fenômeno político já conhecido no passado: o fascismo.
Não mais aquele
fascismo dos tempos de Mussolini e Hitler, grandes expoentes do
ultraconservadorismo e extrema-direita (em frustrantes tempos em que se fala
que o nazismo é de esquerda), mas um fascismo cultural virtual, tecnocrático.
Não é mais apenas a mídia tradicional que serve o fascismo com sua parcialidade
como a demonstrada pelo saudoso crítico do fascismo Umberto Eco em seu último
romance Número Zero, onde um grupo de jornalistas preparam um jornal que não
tem interesse informativo mas apenas em difamar e chantagear a serviço de seu
editor, mas também a própria população através das redes e da falta de
consciência ao reverberar fatos falsos. Porém, nitidamente existe um uso
político por trás.
Assim como o Ministério
da Verdade na obra de Orwell, as informações desleais propaladas nas redes
sociais servem a grupos reacionários para amplificar e legitimar o ódio. Assim
como nos Estados Unidos, segundo Chomsky os governos fazem uso da mídia para
angariar apoio da população e assim legitimar entrada nos confrontos
militares.
A soma
dos elementos pós-verdade e internet está a serviço da direita política.
A mesma direita que
incansavelmente acusa inconcebivelmente os direitos e liberdades defendidos por
progressistas e humanistas de “politicamente correto” e fruto do marxismo
cultural da hegemonia gramsciana, possui agora uma produção constante e
articulada de um possível “fascismo cultural” que utiliza das redes para
legitimar poder político e enfraquecer as esquerdas e, acima disso, prejudicar a
democracia, o pluralismo político e a cidadania.
Portanto faz-se
necessário repensar a falta de consciência das redes e a instrumentalização das
mesmas para fins político-partidários através da disseminação de difamações
coletivas quase que instantâneas. Bauman já apontava para tal perigo das redes
de inibirem o medo dos chamados “caçadores” da sociedade de partirem para o
ataque raivoso sobre os indivíduos a quem nutrem ódio. O império das
mentiras e manipulação das massas não pode voltar a vigorar.
Concluímos com uma
famigerada frase tão concernente e atual que relaciona-se com o fenômenos das
fake news e seu uso político, proferida pelo pai da propaganda nazista:
Uma
mentira dita mil vezes torna-se uma verdade – Joseph Goebbels.
Nenhum comentário:
Postar um comentário